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O descontrole da concentração empresarial

O novo regulamento nasceu após extenso debate (Projeto de Lei nº 3.937, de 2004)

Fonte: Valor Econômico

A Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, que completou um ano de vigência no dia 29 de maio, alterou de modo sensível a estrutura do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, o SBDC. No entanto, o controle prévio das estruturas de mercado restou nitidamente prejudicado, expondo a sociedade a sérios riscos.

O novo regulamento nasceu após extenso debate (Projeto de Lei nº 3.937, de 2004), com ativa participação da sociedade civil por intermédio das associações que compõem os estudiosos e profissionais da área, razão inexorável deste avanço institucional. Eficiência e modernidade são nortes bastante nítidos, corrigindo imperfeições históricas estruturais, como a sobreposição das mesmas competências em órgãos distintos e o controle preventivo a posteriori da concentração empresarial, o que consistia em uma contradição em termos.

Especificamente sobre este último tema, o controle da concentração empresarial, o popular viés preventivo da atuação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) - casos Brahma/Antarctica (Ambev), Nestlé/Garoto e Sadia/Perdigão (BR Foods) -, como dito acima, a nova Lei de Concorrência parece ter se equivocado. Ao eliminar o critério de participação de mercado e deixando ao alvedrio de regulamentação infralegal, seara notadamente política, a determinação de "adequação" do espectro de alcance da jurisdição, o artigo 88, parágrafo 1º, somado à edição da Portaria Interministerial MJ/MF nº 994, culminou com uma notória isenção antitruste em determinados setores da economia, não necessariamente escolhidos para receberem tal agraciamento por conta de eventual implementação de política industrial da parte do governo.

Defender a livre concorrência controlando as estruturas de mercado está longe de significar uma pena

Pode se discutir da (in)constitucionalidade da delegação de ação normativa contida no dispositivo legal mencionado acima, ao se considerar tratarem os parâmetros da necessidade de notificação (agora prévia) dos atos de concentração econômica como matéria de reserva legal absoluta, tendo em vista sua essencialidade. Além disso, o déficit democrático decorrente deste aparente exercício de regulamentação é evidente, já que a disposição regulamentar modificou, a um só golpe, o parâmetro que foi objeto de ampla discussão no Congresso e pela sociedade civil.

Tão mais gritante denota a edição da portaria ao se considerar que esta se deu dia imediato após a entrada em vigor de Lei de Concorrência, no dia 30 de maio de 2012. Ao arrepio da transparência e da participação da sociedade civil e em eventual desvio do ato administrativo, "adequaram-se" os valores contidos na lei, no mesmo artigo 88, inciso I, de R$ 400 milhões e R$ 30 milhões, para R$ 750 milhões e R$ 75 milhões, das empresas ou grupo de empresas que estiverem participando de alguma forma de concentração (aquisição, fusão, joint venture etc), no ano anterior à operação.

Adequar, concessa venia, decorre de experiência na aplicação da lei, depois de transcorrido o prazo e se instalado ocorrências que tornam o parâmetro inicial obsoleto. A surpresa da edição da Portaria MJ/MF nº 994 diminui na medida em que se relembra das acaloradas discussões no Congresso Nacional por conta da tramitação do mencionado Projeto de Lei nº 3.937, de 2004, pouco antes de sua aprovação no final do ano de 2011. Escolhidos pela Câmara dos Deputados, os valores de R$ 400 milhões e R$ 30 milhões foram rebatidos para R$ 1 bilhão e R$ 40 milhões no Senado Federal, vide emenda por lá proposta. Apesar de rejeitada, parece ter ressuscitado na malsinada portaria. E, com uma segunda trava (R$ 75 milhões) maior do que constante de seu texto original, o que tanto mais prejudica os mercados, de modo direto, e os consumidores e as empresas, indiretamente.

Importa ressaltar que uma das razões da rejeição de tal emenda proposta pelo Senado foi o fato de que operações antes submetidas ao controle dos atos de concentração pelo Cade deixariam de sê-lo, caso aprovados os novos limites. Some-se a isso o fato de uma aquisição recentemente desaprovada pelo Cade, notificada na vigência da lei anterior, que estaria dispensada deste dever de comunicação, segundo estes novos parâmetros. Olvida-se, portanto, o mais simples: prevenir tende a ser melhor que remediar.

Defender a livre concorrência controlando as estruturas de mercado está longe de significar uma pena às empresas, de lhes impor uma burocracia desmedida, morosa e desnecessária. Tampouco merece ser entendida como uma forma de se permitir uma melhor alocação da estrutura administrativa à repressão das condutas anticoncorrenciais. Com efeito, o viés preventivo é parte integrante das políticas públicas de defesa da concorrência implementadas em quase todas as jurisdições democráticas pelo mundo afora.

Ao Cade, em razão do recém-completo ano de vigência de sua nova lei, o reconhecimento por sua atuação cada vez mais contundente na repressão aos cartéis e demais condutas que prejudicam a concorrencialidade no país. Fica, entretanto, a ressalva por conta deste descompasso no controle da estrutura decorrente da edição da inadequada Portaria MJ/MF nº 944, a qual acaba por implicar verdadeira renúncia por parte do Estado brasileiro de um controle mínimo que a Constituição julgou indispensável ao desenvolvimento econômico e social.