Notícias

Notícia

Voos e rotas canceladas: aviação patina no Brasil

Empresas aéreas cancelam voos e rotas e reivindicam mudanças na política de combustíveis praticada pela Petrobras; passagens sobem até 30%

Companhias aéreas anunciaram medidas de contenção de despesas, que incluem a suspensão e o adiamento de rotas, e até cancelamento de voos diante de situação internacional de guerra e de políticas econômicas adotadas no Brasil. Para o consumidor, o aumento nas passagens chega a 30%.

A situação do setor doméstico, que vinha acompanhando o crescimento mundial de 82,3%, registrado em janeiro, em relação ao mesmo mês de 2021, segundo a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA, na sigla em inglês), é de preocupação diante da política de combustíveis e do câmbio do real versus dólar. Tudo isso somado às incertezas da guerra na Ucrânia e as oscilações da cotação internacional do barril de petróleo.

"Ao longo dos dois anos de pandemia, as companhias fizeram muitos exercícios de redução de custos e revisão de processos. Revisaram custos diretos e indiretos, os mais variados, o que permitiu atravessar a pandemia. Agora, no momento de recuperação, veio esse outro baque. Nós estamos avaliando novas medidas a serem tomadas de forma coletiva. Encaminhamos ao governo nossa preocupação e o desejo que a aviação seja inserida em todas as medidas que forem tomadas para minimizar impactos", contemporizou o presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Eduardo Sanovicz.

A paridade internacional praticada pela Petrobras na cobrança em dólar do querosene de aviação (QAV) é motivo de questionamento pelas empresas aéreas baseadas no Brasil, uma vez que o combustível tem 90% de sua produção em território nacional.

A Abear diz acompanhar os desdobramentos da guerra na Ucrânia constatando que as cotações do barril de petróleo chegam a se aproximar de US$ 140, no início de março, maior valor no país desde 2008, quando o dólar tinha cotação média de R$ 2,30. Atualmente, a moeda norte-americana oscila próximo a R$ 5.

O preço do querosene de aviação (QAV) em 2021 alcançou seu maior patamar, acumulando alta de 76,2%, superando as variações do diesel (+56%), gasolina ( 42,4%) e gás de cozinha ( 36%), segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

"Esse querosene representa 38% de nossos custos, exercendo forte impacto, somado a um câmbio perverso de outros itens que compõem a agenda de custo. Metade dos custos da aviação é dolarizada", explica o presidente da Abear. O ICMS cobrado sobre o produto torna um voo entre São Paulo e Fortaleza mais caro que partindo da capital paulista a Buenos Aires, na Argentina", compara Sanovicz. "São distâncias similares, mas o voo doméstico sai mais caro devido ao imposto, porque na capital argentina não existe esse tributo, como também na Europa, Ásia, ou em nenhum outro lugar no mundo há tributo local tão alto."

A Latam destacou que o cenário impacta no aumento de preços das passagens e serviços adicionais da ordem de 25% a 30%, e que precisou realizar alguns ajustes em sua malha doméstica, que compreende a suspensão temporária de 10 rotas da companhia e no adiamento do início da operação de outras 11 novas rotas, que incluem novos destinos e trechos ainda não operados por ela.

A empresa orientou seus clientes a acessarem o site latam.com > Minhas Viagens > Administrar suas viagens para saberem se o voo foi postergado. Ao inserir os dados da viagem, o cliente com voo alterado conseguirá visualizar o aviso sobre a modificação. No mesmo campo do site, os clientes com voos alterados neste período poderão remarcar o voo sem multa e diferença tarifária na mesma cabine do voo original. O cliente ainda pode solicitar o reembolso sem multa. Todas essas alternativas são válidas até o vencimento do bilhete (12 meses após a data da compra).

A Azul informou que "o aumento exponencial do valor de várias commodities nas últimas semanas, em especial do barril de petróleo, que já vinha sofrendo consecutivas altas em função da pandemia da COVID-19", causou forte impacto na retomada da oferta de voos no país, bem como a inclusão de novas cidades e novas rotas e frequências entre aeroportos. Segundo a empresa, foi necessário "ajustamento da oferta de voos diários em alguns mercados, em decorrência do atual momento".

A companhia GOL disse as cotações do preço do petróleo, do dólar e que têm justamente no preço do QAV (querosene de aviação), a variável que mais interfere nos preços de passagens aéreas. E ser inevitável o aumento dos valores das passagens, "porém não é possível determinarmos um percentual exato em função da atual volatilidade dos preços do QAV. Reforçamos que o processo de precificação é dinâmico e também segue a oscilação da demanda e da elasticidade e sazonalidade, inerentes ao setor aéreo."

De acordo com a empresa, o QAV vem sofrendo constantes altas nos últimos três anos e, "neste momento, representa cerca de 50% dos custos de um voo, percentual bem acima da média histórica. Comparada a 2019, a alta é de aproximadamente 90% e, em relação aos valores do último trimestre de 2021, de 30%".

O cenário do querosene de aviação (QAV) foi um dos temas centrais de reunião ordinária da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) em 16 de março. Na ocasião, Ana Helena Mandelli, gerente de distribuição de combustíveis do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), fez um balanço sobre os reflexos da guerra entre Rússia e Ucrânia para o valor do barril de petróleo e possíveis medidas para conter os custos das empresas.

"O preço dos combustíveis não é um tema recente e agora ganhou novamente protagonismo. Já estávamos com muita volatilidade no preço do petróleo, gerado pela pandemia, quando houve desbalanço entre oferta e demanda, a partir de março de 2020. Vínhamos acompanhando a recuperação dos mercados no final do ano passado, no caso da aviação até mais rápido que o previsto, e a guerra, que traz outro período de instabilidade impactando nos preços", disse a gerente do IBP.

Ana Helena ressaltou que a crise do petróleo vem acompanhada pelo câmbio alto e pela instabilidade econômica. "Isso impacta o mercado local, porque não somos autossuficientes em derivados de petróleo. Não temos capacidade de refiná-lo e ofertá-lo internamente. O Custo Brasil permeia nossas cadeias e praticamente todos os produtos, incluindo o ICMS, que é um dos mais caros do mundo, somado à complexidade na arrecadação, que gera tributos altos e necessidade de grandes times para calcular esses valores".

A Abear divulgou nota destacando que historicamente o combustível responde por mais de um terço dos custos do setor, que por sua vez têm uma parcela superior a 50% indexada pelo dólar. "Diante desse cenário, a Abear informa que o consequente encarecimento do QAV nos curto e médio prazos poderá frear a retomada da operação aérea, o atendimento logístico a serviços essenciais e inviabilizar rotas com custos mais altos, incluindo o foco na expansão de mercados regionais, num setor que acumula prejuízo de R$ 37,4 bilhões de 2016 até o terceiro trimestre de 2021, impactando também o transporte de cargas e toda a cadeia produtiva do turismo. A Abear defende que medidas emergenciais de contenção de preços que possam ser tomadas durante a vigência do conflito incluam o QAV, amenizando dessa forma a crise do setor."

Em janeiro, a demanda global por viagens aéreas domésticas e internacionais teve alta de 82,3% em relação ao mesmo mês de 2021, de acordo com a IATA. Em paralelo, a oferta cresceu 51,8% e a taxa de ocupação dos voos teve uma alta de 10.8 pontos percentuais, para 64,5%, em igual período de análise. "Mas apesar desse forte crescimento, os números permanecem muito abaixo dos níveis pré-COVID, pois a demanda em janeiro de 2022 foi 49,6% menor e a oferta 37,7% abaixo de janeiro de 2019. A IATA informa que estes números de janeiro não incluem qualquer impacto da guerra entre Rússia e Ucrânia."

Período: 3/1 a 28/2/2022

QAV: 15,9%

Gasolina: 3,6%

Diesel: 7,8%

Gás de cozinha: 0,7%

Fonte: ANP - Preços de produtores e importadores de derivados de petróleo (preços nominais e sem ICMS)

Informações sobre o QAV

No preço de refinaria do QAV estão incluídos os custos de frete, perdas, seguros e imposto da marinha mercante, incidentes no transporte entre o porto de Houston e os portos brasileiros de Suape (Pernambuco), São Sebastião (São Paulo), Santos (São Paulo) e Paranaguá (Paraná)

(fonte: ANP 2019).

Sobre a totalidade do querosene de aviação vendido no Brasil (e não apenas sobre a parcela importada) incidem custos de transporte e impostos correspondentes ao traslado entre Houston e os portos citados, uma distância de cerca de 12.500 km que é percorrida pelos navios petroleiros em mais de 28 dias (Ports.com, 2019). Porém, a maior parte do querosene de aviação usado no Brasil é produzido a distâncias muito menores que as usadas para sua precificação.

Em resumo, a formação de preços do QAV no Brasil leva em conta que todo o volume comercializado percorreu cerca de 12.500 km, enquanto cerca de 90% do total se deslocou apenas cerca de 70 km. Emblemático é que o custeio dessa logística superdimensionada inclua o "imposto da marinha mercante" quando o insumo é transportado exclusivamente por terra.